sexta-feira, setembro 13, 2013

Texto para revisão – Flávio Bueno – 3º ano – DINATOS – COC – MIGRAÇÕES - GEOGRAFIA

Texto para revisão – Flávio Bueno – 3º ano – DINATOS – COC – MIGRAÇÕES - GEOGRAFIA

MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS X GLOBALIZAÇÃO

Os movimentos migratórios internacionais reassumem, sobretudo a partir dos anos 80, importância crescente no cenário mundial. Cenário este que, a par das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas em curso, tem se caracterizado por desigualdades regionais acentuadas e pela manifestação crescente de conflitos localizados, mas também pelas tentativas de constituição de mercados integrados, como a União Europeia, o Nafta, Mercosul, dentre outros.

Assim sendo, a questão da mobilidade espacial trans-nacional de pessoas e suas implicações passam a constituir dimensão inerente à relação entre população e desenvolvimento, bem como parte integrante de políticas populacionais.

A problemática das migrações internacionais contemporâneas vem constituindo, na verdade, tema de crescente interesse entre os estudiosos de população e cientistas sociais em geral. Ademais, os acordos firmados nas Conferências Internacionais da ONU nos anos 90, particularmente a Conferência de População e Desenvolvimento realizada no Cairo em 1994, vêm situando essa problemática no âmbito de ação de Estados Nacionais. Os compromissos assumidos pelos governos, neste caso, já evidenciam a necessidade de um tratamento específico, uma vez que, necessariamente, qualquer ação ou planejamento referente à questão dos movimentos populacionais internacionais dependem de acordos bi ou multilaterais, entre esses Estados. No caso dos blocos de integração econômica, outra especificidade é dada pela própria jurisdição que ancora os acordos entre os Estados Nacionais, uma vez que sempre envolvem flexibilização na circulação de mercadorias e nos fatores de produção; a livre circulação de trabalhadores passa então a constituir um corolário dos tratados, ensejando, na prática, situações tensas e conflituosas.  

Em todas as conferências recentes evidencia-se uma grande preocupação dos países com os movimentos populacionais internacionais contemporâneos, na tensão entre os condicionantes de um mundo competitivo e internacionalizado com tecnologias poupadoras de mão-de-obra, de um lado, e o avanço das conquistas de direitos humanos, em suas várias dimensões, de outro lado. Os documentos de consenso mal disfarçam os antagonismos entre os países expulsores (tendencialmente pobres) e os países receptores (tendencialmente ricos) de contingentes populacionais expressivos, tratando de formas nitidamente distintas a questão dos migrantes documentados, dos migrantes clandestinos e dos refugiados políticos, sem menosprezar o montante de remessas de divisas aos países de origem, as quais, de acordo com estimativas da ONU, só perdem para a transferência de divisas derivadas do comércio de petróleo.
O World Economic and Social Survey 2012 aponta que 230 milhões de pessoas vivem fora do país em que nasceram. Isso significa que uma em cada 35 pessoas é migrante, o que corresponde a 2,9% da população mundial. A intensidade do fenômeno pode ser elucidada levando em conta que, em 1910, o número de emigrantes era de 33 milhões, ou seja, 2,1% da população planetária.
A América do Norte passou por um relevante fluxo migratório nas últimas duas décadas, sendo que atualmente incorpora 23% do total de migrantes mundiais. Já na Europa, excluindo a ex-URSS, a porcentagem no total de migrantes permaneceu estável entre 1960 e 2000 (em torno de 18%), mas houve um sensível aumento da porcentagem em relação à população da região: passou-se de 3,3%, em 1960, para 6,4%, em 2000.
Apesar da evolução e diversificação dos destinos, segundo o Informe, as migrações internacionais continuam bastante concentradas, sendo que 75% do total de migrantes estão em 28 países (em 1960, estavam em 22 países). Nos EUA se encontra 20% do total (40 milhões), seguidos pela Rússia (13 milhões), a Alemanha (7,3 milhões), a Ucrânia (6,9%), a França e a Índia (6,3 milhões cada). 

O informe da ONU aponta também 16 países que nos 10 quinquênios - entre 1950 e 2000 - tiveram saldo migratório sempre negativo e 7 países que, nos mesmos períodos, tiveram saldo migratório positivo. Os primeiros podem ser considerados países de emigração (entre eles, México, Cuba, Bolívia, Colômbia, Bulgária, Polônia, Bangladesh e Índia) e os segundos de imigração (EUA, França, Canadá, Suécia, Israel, Austrália e Costa de Marfim). A maioria dos países, todavia, intercala saldos negativos, positivos ou saldo zero. Os países que passaram por três ou mais quinquênios com saldo migratório negativo são classificados como países de emigração, como, por exemplo, Brasil.
Segundo o informe da ONU, 63% dos migrantes residem em países desenvolvidos (110 milhões). Embora seja um fenômeno recente - a maioria dos migrantes internacionais vivia em países em desenvolvimento nos levantamentos de 1980 (52%), de 1970 (53%) e 1960 (58%) - não há dúvida de que os fluxos migratórios das últimas duas décadas estão se direcionando preferencialmente para os países economicamente mais ricos. Não é por acaso que a porcentagem de migrantes nos países desenvolvidos passou de 3,4% para 8,7% da população. 
Cabe ressaltar, contudo, que os fluxos migratórios internacionais são complexos e “voláteis”, sendo bastante comum, por exemplo, a brusca inversão de saldos migratórios ou a existência simultânea de uma forte emigração e imigração. Por exemplo, dos EUA, o principal pólo de atração do mundo, saem anualmente 200 mil cidadãos.
Quanto à perspectiva de gênero, o Informe da ONU aponta uma substancial igualdade da participação feminina e masculina nas migrações internacionais. As mulheres, que eram 46,7% dos migrantes em 1960, atualmente perfazem 48,6% do total. No entanto, o aumento da migração feminina não é universal nem homogêneo. Na Ásia, por exemplo, as mulheres passaram de 46%, em 1960, para 43%, em 2000. Na África, embora em aumento, as mulheres migrantes perfazem apenas 46,7% do total. Já houve um significativo aumento entre os anos 1960 e 2000: na América Latina, de 44,7% para 50,2%; na Oceania, de 44,4% para 50,5%; e, na Europa, de 48,5% para 51%.
No que diz respeito aos refugiados e desplazados, os últimos dados divulgados pelo ACNUR referentes ao ano 2003, calculam em 17,1 milhões as pessoas sob o cuidado da instituição, uma diminuição de 18% em relação ao ano anterior. Do total, cerca de 9,6 milhões são refugiados reconhecidos, cujo número registrou uma diminuição em todos as regiões, com exceção da África ocidental (+0,6%). Ocorreu, entre 2002 e 2003, uma sensível diminuição de refugiados na Bósnia-Herzegóvina (-108 mil), Serra Leoa, Croácia, Burundi, Somália e Timor Leste. Por outro lado, aumentaram os refugiados do Sudão (+100 mil) e da Libéria. O Paquistão é o principal lugar de acolhida, seguido pelo Irã, Alemanha, Tanzânia e Estados Unidos. 
A intensificação dos fluxos migratórios internacionais das últimas décadas provocou o aumento do número de países orientados a regulamentar e até reduzir a imigração. Os argumentos alegados não são novos: o medo de uma “invasão migratória”, os riscos de desemprego para os trabalhadores autóctones, a perda da identidade nacional e, até, o espetro do terrorismo. Não temos aqui o espaço suficiente para avaliar a legitimidade desses argumentos. Entretanto, alguns breves esclarecimentos são necessários. O supracitado Informe da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização apresenta, de forma sucinta e clara, as vantagens decorrentes do estabelecimento de um regime multilateral para a mobilidade humana internacional:

A maioria dos países industrializados conta com uma população que envelhece e tende a diminuir, enquanto que a maioria do país em desenvolvimento conta com uma população jovem e crescente. Muitos problemas derivados do envelhecimento da população, como são a diminuição da população ativa ou as dificuldades pra financiar a seguridade social pelo crescimento dos níveis de dependência, poderiam atenuar-se mediante um incremento da imigração baseado no respeito dos direitos dos trabalhadores migrantes. Em geral, a produtividade mundial da mão de obra aumentaria com este processo, já que a migração seria de países com excedente laboral e baixa produtividade a países com alta produtividade. Isto não só beneficiaria aos próprios migrantes, como também a seus países de origem, graças ao envio de remessas de divisas, à transferência de qualificações e ao estímulo da atividade comercial que provocaria a diáspora. (…) Em resumo, ditos movimentos da mão de obra podem resultar em benefícios mútuos para o Norte e o Sul (n. 432).

Essas rápidas reflexões revelam a complexidade do fenômeno migratório e a inconsistência da estigmatização dos migrantes como responsáveis pelas crises sociais dos países de chegada. Para isso, devem ser questionadas também aquelas análises dos fluxos migratórios Sul-Norte que interpretam a decisão de emigrar como uma opção exclusiva e autônoma de indivíduos, isentando os países de recepção de qualquer responsabilidade. Essas análises, ideológicas e descontextualizadas, na realidade, omitem as influências que as dinâmicas geopolíticas e econômicas planetárias exercem nos processos decisórios dos emigrantes do Sul. De forma específica, encobrem as graves responsabilidades da crise da globalização neoliberal, sustentada pelos países do Norte, no acirramento do fenômeno migratório contemporâneo.

Acredita-se que as restrições das políticas migratórias tenham prioritariamente uma finalidade simbólica: transformar os estrangeiros em “bodes expiatórios”, encobrindo, desta forma, as reais causas das crises econômicas e/ou culturais que atingem numerosos países do Norte. É evidente que essa vitimização dos migrantes não resolve as crises, mas alimenta cada vez mais a espiral da violência.

Diante das crescentes dimensões das migrações internacionais, particularmente as latino-americanas, a CEPAL, em seu relatório já citado, expressa preocupação pela falta de proteção dos emigrantes, principalmente daqueles mais vulneráveis:

A desproteção dos migrantes representa uma grande preocupação. A existência de uma população imigrante em situação indocumentada – de magnitude estimada em mais de 6 milhões de pessoas, concentradas nos Estados Unidos —, as restrições à imigração por parte dos países desenvolvidos, com seu resultante na vulnerabilidade de muitos imigrantes, atiçada pela indocumentação e a operação de organizações dedicadas ao tráfico de pessoas, são situações que impedem o exercício de seus direitos em forma plena, preocupações que para os países da região desafiam a governabilidade. 

Infelizmente, não existe hoje uma legislação internacional sólida sobre as migrações internacionais. É o que constata o Informe “Por uma globalização justa: criar oportunidades para todos”, elaborado pela Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização: “o maior vazio da atual estrutura internacional da economia global é a ausência de um marco multilateral que regule o movimento transfronteiriço de pessoas” (n. 428). Assim, “enquanto que os direitos relativos ao investimento estrangeiro foram se reforçando cada vez mais nas regras estabelecidas para economia global, deu-se muito pouca atenção aos direitos dos trabalhadores” (n. 431).

MIGRAÇÃO NO BRASIL
A situação do estrangeiro no Brasil ainda é regida pela Lei 6815, aprovada em 1980, em plena vigência do regime militar. Superada e desatualizada, não corresponde às exigências de novo contexto migratório que caracteriza a realidade atual.  Outro importante decreto é o de nº 5,541, de 19 de setembro de 2005, que promove uma relação mais integral entre Brasil e Bolívia no trânsito de seus nacionais em seus territórios. 

Urge uma nova lei de estrangeiros ou, como preferimos dizer, lei de migrações no Brasil. Barreto, secretário geral do Ministério da Justiça afirma que “o dinamismo dos movimentos migratórios faz com que o Estatuto do Estrangeiro, editado em momento de exceção, necessite, há muito, de revisão”.  E completa sua reflexão com a máxima de que a lei sempre deve acompanhar o fator social. Em outras palavras, a realidade tem a finalidade de alertar nossas mentes para as demandas sociais e fazer evoluir o direito. Reafirma-se, pois, que o País reclama uma lei mais dinâmica, voltada à nova conjuntura. Do contrário, diz Barreto, “ainda continuaremos a tratar o estrangeiro como assunto de segurança nacional, vinculação há muito desprezada pelo próprio Direito Internacional”.

A mudança de perspectiva global no tratamento aos migrantes passa, necessariamente, pela mudança legislativa interna de países, como o Brasil, que consigam entender a problemática das migrações como uma realidade indiscutível e desafiadora, mas que, além das questões meramente controladoras, policiais e estatais, deve ser visto como uma questão social, sob o paradigma do respeito aos direitos humanos em sua totalidade.

Ao se falar de estrangeiros, imigrantes ou emigrantes, a perspectiva de proteção aos seus direitos pressupõe a compreensão do conceito de cidadão numa visão de cidadania universal, que não está vinculada e nem é sinônimo de nacionalidade. Por mais que as legislações e as posturas dos poderes constituídos possam ser cada vez mais rígidas, o ser humano migra e é levado, quando não forçado, a migrar. Esta mobilidade não justifica qualquer desrespeito aos direitos humanos, anteriores a qualquer norma positiva ou fronteira geográfica e política e os direitos culturais e sociais, que não podem ser condicionados a um único fator, qual seja o da nacionalidade.  É certo que todos e todas nós sentimos orgulho da nossa nacionalidade e dela nos advém direitos que desejamos exercer e obrigações a cumprir.  É, contudo, igualmente verdadeiro afirmar que esta – a nacionalidade - não esgota, tampouco abarca toda a amplitude da dimensão do ser humano e de sua dignidade a ser elevada aos patamares da proteção legal para assegurar-lhe o respeito aos seus direitos, independentemente do local ou país em que se encontre. São direitos de uma cidadania intrínseca ao ser humano – uma cidadania universal - que não pode ser confinada a fronteiras legais restritivas e obtusas, decorrentes de uma visão estereotipada ou parcial do próprio ser humano.

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