CLÁUDIA COLLUCCI - Folha de
São Paulo - 09/05/2012 - São Paulo, SP
Ela não
fala, não come, não se move. Mas pinta, estuda e ensina arte
a crianças que nasceram com paralisia cerebral. Tudo isso usando o
olhar, um leve movimento de queixo e um programa de computador desenvolvido
especialmente para ela.
Nesta quarta,
às 14h, a artista plástica Ana Amália Tavares Barbosa,
46, defende sua tese de doutorado em arte e educação no Museu
de Arte Contemporânea da USP, iniciada quando já estava
paralisada.
O estudo,
intitulado `Além do Corpo`, é fruto de três anos de
trabalho com artes visuais desenvolvido com um grupo de seis
crianças com lesões cerebrais, atendidas na
Associação Nosso Sonho, onde Ana também leciona.
Todas as
crianças usam cadeiras de rodas, não falam e têm
dificuldade de enxergar. Assim como a professora.
Em 2 de julho de
2002, exatamente no dia da defesa da sua dissertação de
mestrado na ECA (Escola de Comunicações e Artes), Ana
Amália sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) no tronco cerebral
e ficou tetraplégica, muda e disfágica (não consegue
mastigar e engolir).
`Ela
começou a passar mal quando uma das pessoas da banca não
apareceu porque confundiu as datas. No hospital, foi perdendo os
movimentos, começando pelas pernas`, conta a mãe Ana Mae
Barbosa, 75, professora aposentada da Faculdade de Educação
da USP.
O pai, João
Alexandre Costa Barbosa (morto em 2006), crítico literário e
também professor aposentado da USP, acompanhava a filha.
Ele relatou
à mulher as últimas palavras de Ana Amália. Ao escutar
o médico perguntando se ela era muito nervosa, disparou: `Por que
vocês médicos sempre acham que a culpa é do
paciente?`.
Como sequela, Ana
Amália ficou com síndrome do encarceramento (`locked in`),
retratada no filme `O Escafandro e a Borboleta` (2007).
`No primeiro ano,
ela só dizia: `eu quero morrer`. Depois, voltou a se apossar da
vida`, diz a mãe.
Foram 40 dias de
UTI e quatro meses de internação até Ana Amália
voltar para casa. A família conta com três enfermeiras, que se
revezam 24 horas, duas fonoaudiólogas e duas fisioterapeutas.
Com a
cognição e a memória preservadas, Ana se comunica por
meio de um cartão com letras e de um programa de computador,
desenvolvido pelas redes Sarah (Brasília) e Lucy Montoro (SP).
O atual desafio
é fazer com que ela mastigue e engula a comida. Ana usa um cateter
ligado ao estômago.
Ana Mae consulta a
filha o tempo todo. `Quantos semestres você cursou psicologia na PUC
como ouvinte? Dois, três, quatro.` Ao ouvir quatro, Ana pisca os
olhos. `Ela é a minha memória.`
A terceira Ana da
casa, Ana Lia, 11, tinha apenas um ano e oito meses quando a mãe
sofreu o AVC. `Aos poucos, ela aprendeu a interpretar meus olhares`,
escreve, com os olhos, Ana Amália.
Os desenhos
também foram (e continuam sendo) uma conexão entre as
duas.
DOUTORADO
No projeto de
doutorado, Ana Amália trabalhou, com a ajuda de assistentes, a
percepção corporal dos alunos.
Uma das atividades
foi desenhar o contorno dos corpos em papel, depois recortá-los e
pintá-los. Por fim, construir cenas nas quais os corpos brincam.
`Eles exploram o espaço já que não podem fazê-lo
na vida real, pois estão presos à cadeira de roda.`
Outra
preocupação foi a inclusão cultural dos alunos. Ana
Amália os levou a espaços como o Instituto Tomie Ohtake e o
Jardim de Esculturas (Parque da Luz).
Pergunto qual
é sua principal dificuldade. `Conviver com a invisibilidade.`
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